Flag of Great Britain Flag of Brazil

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Acomodação: o lado "de lá" da história


Tudo começou um pouco antes da minha viagem pra Itália, quando o casal de italianos com quem eu dividia a casa aqui comunicou que eles estariam de mudança em mais ou menos 2 meses, pois alguns amigos viriam da terra da Margherita tentar a vida aqui em Galway, e eles passariam a dividir uma casa entre si. Fiquei triste, pois minha relação com eles sempre foi muito boa, como já citei aqui antes, e de fato os considero amigos.

Com isso, a primeira ideia que eu e a outra housemate espanhola tivemos foi de dessa vez entrevistamos e escolhermos nosso novo companheiro de casa. O objetivo era tentar evitar o acontecido da última vez, quando nosso landlord apenas mandou uma pessoa pra nossa casa, e acabamos descobrindo ser uma pessoa com jeito e comportamento diferentes dos nossos, que pouco interage e parece viver num mundo à parte. Vale observar que obviamente cada um tem seu estilo de vida e ninguém precisa prestar contas do que faz ou deixa de fazer ao estar dividindo uma casa, mas a ideia inicial da minha housemate sempre foi tentar buscar alguém com o mínimo de coisas em comum o que praticamente excluiria irlandeses e sua fama de pouca higiene.

A princípio, ela quis limitar bastante as características da pessoa "ideal": não deveria falar espanhol ou português eu não participei disso, não poderia ser casal, e preferencialmente mulher. Precisei gastar alguma lábia com ela e convencê-la, pra que a gente conversasse com as pessoas primeiro, e não apenas julgar baseado em nacionalidade ou gênero. Sempre tive uma ótima relação com ela (ainda melhor do que com os italianos), mas já comecei a imaginar que seria difícil chegar a um acordo pro final dessa história.

Como já deve estar claro pelo que mencionei algumas vezes aqui, meu relacionamento com brasileiros aqui é pequeno. Já falei que às vezes sequer sei como agir com eles, e o quesito afinidade sempre é o mais importante, mas boa parte das vezes o problema é o fato do uso da língua. Cada um sabe o que faz, mas minha intenção ao sair do país não foi e não é continuar usando português. Ainda assim, como falei aí em cima, nunca pensei em descartar completamente brasileiros apenas pelo fato de serem brasileiros, coisa aliás que aconteceu comigo quando procurei casa por aqui no início. A proposta era conversar e ver no que dá.

Com isso, depois de avisarmos o dono da casa sobre nosso procedimento, aguardamos faltarem apenas algumas semanas para que o casal deixasse a casa, e iniciamos o processo. Criei um anúncio no Facebook, no grupo de acomodação mais comum aqui em Galway e meu Deus, houve uma tempestade torrencial de mensagens! Com o intuito de conversar com o máximo de pessoas possível pra poder analisar a que encaixaria melhor, gastei boa parte de uma noite agendando visitas com todas as pessoas que entraram em contato, e tirei o anúncio do ar em poucas horas, pois já nem tinha como encaixar mais gente.

No dia seguinte, avisei a minha housemate sobre o agendamento: 25 pessoas viriam dali a um dia, com uma diferença de 15 minutos entre elas, e ficaríamos basicamente o dia todo por conta disso. Ela quase teve um treco, e já imaginando que a italiana sequer permitiria essa quantidade de gente entrando em seu quarto, começou a pensar numa maneira de fazer isso de forma diferente. Tá bom, confesso que talvez tenha sido um pouco demais, mas só quis basicamente conversar e escolher o melhor, ué!

Sua idéia que discordei totalmente, mas argumentar com mulheres quando elas acham que estão certas é sempre um desafio, rs foi basicamente analisar o Facebook de todos que mandaram mensagem pra poder fazer uma pré filtragem. Acho totalmente falho, pois muita gente simplesmente trava as informações lá, ou simplesmente não coloca, o que fatalmente privilegiaria alguns e prejudicaria outros, mas ela estava tão irredutível que abaixei a cabeça e aceitei.

Assim, depois de inúmeros cortes de irlandeses, em sua maioria estudantes e potenciais baterneiros (o que de novo soa um pouco como preconceito, mas eu diria que jovens irlandeses, que por várias vezes têm bebida como única diversão, poderiam de fato "causar" mais do que estávamos dispostos a arriscar ver). Dos 25, restaram 6, e um acabou avisando que não poderia comparecer. Encaminhei a todos os "excluidos" mensagens de que meus housemates mudaram de idéia e só aceitariam mulheres/pessoas mais velhas/insira sua desculpa aqui.

No dia seguinte, lá estávamos nós entrevistando pessoas. Tivemos uma irlandesa que viveu no Japão por 3 anos e estudava mestrado na universidade aqui perto; um espanhol que falava português (pois morou anteriormente numa cidade próxima à Portugal); duas brasileiras, simpáticas mas bem tímidas e com um nível de inglês que ainda não permitia muita conversa; e um rapaz de Londres, super engraçado e que falava à "mil por hora" sotaque inglês e linguagem "das ruas" confesso que não foi fácil de entender, não! Fizemos perguntas gerais sobre eles, e falamos um pouco da gente e do ambiente que queríamos manter na casa, além de mostrar a casa claro e explicar sobre as regras e obrigações de cada um.

Para minha tristeza, minha housemate não gostou de ninguém! Apenas o rapaz espanhol a agradou um pouco, mas segundo ela o fato de usar a mesma língua poderia ser um impeditivo. Dessa maneira, resolvi no dia seguinte convidar o rapaz mexicano que não pôde comparecer antes, e acabei comentando sobre o quarto disponível com uma brasileira da minha sala. Apesar de a conhecer pouco, sabia do seu nível de inglês, e sempre me pareceu ser uma pessoa legal e que poderia perfeitamente se encaixar no que procurávamos.

No dia posterior, por uma questão de horário, acabamos entrevistando os dois ao mesmo tempo (o que se mostrou uma péssima idéia, mas não havia como saber antes). No fim, novamente minha housemate não se "encantou" com ninguém. Já um pouco estressado com a situação, tive uma conversa mais séria com ela, explicando sobre as vantagens de escolhermos a brasileira, mostrando tudo o que sabia sobre ela, e argumentando que por mais que conversássemos com mais gente, nunca saberíamos mais sobre elas do que eu sabia sobre a menina. Acabei convencendo ela a recebermos minha colega de classe de novo no dia seguinte, mas adivinha: logo após a entrevista, ela implicou com o fato de que a moça receberia o namorado por duas semanas e aí já dá pra imaginar o desfecho.

A partir desse momento ela ficou responsável por criar um novo anúncio e, devido à sua disponibilidade pra receber mais gente (devido a trabalho), o processo acabou se arrastando por mais uma semana.

No início da semana seguinte, recebemos mais um brasileiro tô falando que a cidade tá começando a lotar, hehe, mas o rapaz era tão tímido que apenas os outros brasileiros que o acompanhavam conversaram, e ficou aquela situação estranha. Com mais um "não", ainda precisamos de mais tempo e, após inúmeras dispensas de todos os tipos de pessoas pela internet e essa história rendendo bem mais do que eu esperava me pergunto porque tanta coisa que me acontece ganha contornos de intermináveis novelas, foram agendadas para o fim da segunda semana entrevistas com uma japonesa, outra brasileira e uma italiana. A essa altura, mesmo tendo alguns dias até o dia "oficial" em que deveríamos ter a nova pessoa, o landlord já arrancava seus poucos fios de cabelo ao saber de como as coisas estavam se encaminhando.

No dia e hora marcados, recebemos a japonesa (a brasileira não apareceu e nunca mais deu sinal de vida, apesar de ter implorado a entrevista com minha housemate ai, ai, ai!). A simpática moça tinha um namorado irlandês no Japão (?!) o que a conferia um interessante sotaque de quase irlandesa nativa. A conversa foi ok, e ela foi agradável a ponto de mandar uma mensagem de agradecimento após deixar a casa. No final da noite recebemos a italiana que tinha um comportamento bastante parecido com o dos nossos agora antigos colegas de casa, mas ela havia acabado de iniciar as buscas para o novo lar, e logo precisaria de um mês pra desocupar seu quarto atual.

Assim, depois de algumas semanas de entrevistas, conversas, argumentações e um bocado de dor de cabeça, acabamos chegando a um consenso sobre a japonesa, que concluiu sua mudança ontem. Resolvi também mandar mensagem para as pessoas não-selecionadas, por motivos de: faço com os outros o que espero que façam comigo.

Eu achava que entendia quando as pessoas normalmente se referem ao intercâmbio como uma maneira de aprender a se relacionar ainda mais com os outros, mas agora vejo que esse jogo de cintura é necessário com mais frequência do que eu pensava. Saber expressar sua opinião ao mesmo tempo em que respeita a dos outros, ainda mais quando essas pessoas tem bagagens culturais e modos de viver e ver o mundo diferentes do seu é algo que precisei de fato lidar. Mas assim é a vida, nada mais do que um constante aprendizado, e ainda mais quando se trata do "bicho gente", não é? Só espero que nossa decisão tenha sido acertada, e que nossa casa continue no clima de "home sweet home"!

Nenhum comentário:

Postar um comentário